Os Trezes de Maios - Escravidão e Racismo

Trezes de Maios - Escravidão e Racismo 


“A sociedade civil tem por base primeira a justiça, e por fim principal a felicidade dos homens; mas que justiça tem um homem para roubar a liberdade de outro homem, e o que é pior, dos filhos deste homem, e dos filhos destes filhos?” (José Bonifácio)

Quando se fala em escravidão, logo vem à mente a imagem de um homem branco do ocidente mantendo um escravo negro africano. No entanto, uma análise histórica da escravidão como instituição logo rejeita esta visão racista, pois a escravidão existiu por milhares de anos, muitas vezes entre a mesma “raça”. Como explica Thomas Sowell, “os negros não viraram escravos porque eram negros, mas porque eles estavam disponíveis no momento”. Brancos escravizaram outros brancos por séculos na Europa antes dos negros serem trazidos para o continente. Além disso, asiáticos escravizaram outros asiáticos, africanos escravizaram outros africanos, e os nativos do hemisfério ocidental escravizaram outros nativos. A Mesopotâmia, a Índia, a China, os gregos, os egípcios e hebreus antigos, os astecas, incas e maias, os índios brasileiros, todos usaram escravos. A escravidão não era um fenômeno de raça.

O que torna a situação americana peculiar não é apenas o fato de a escravidão ter sido entre “raças” diferentes, mas sim dela entrar em confronto com os pilares filosóficos de liberdade predominantes no país. A Declaração de Independência, escrita pelos “pais fundadores” da nação, pregava a igualdade de todos os homens perante as leis, com base no direito natural. Tamanha a sua influência na mentalidade do povo, era visivelmente contraditório manter escravos. Seria um atestado de que homens negros eram menos do que homens, um absurdo que infelizmente durou tempo demais para ser eliminado. No entanto, não podemos perder de vista o fato de que ali estavam as sementes para a abolição. Na maior parte do mundo, na mesma época, ninguém parecia ver nada de errado com a escravidão. Há um século, apenas o ocidente condenava a escravidão, e há dois séculos, somente uma pequena parcela dele o fazia. O restante conviva com bastante naturalidade com a escravidão. Foi o maior poder bélico e econômico ocidental que possibilitou a imposição da abolição em outras partes do globo. A escravidão não nasceu no ocidente. Ela morreu graças a ele.

Algumas pessoas, com um viés marxista que enxerga o dinheiro como causa de tudo, argumentam que somente o interesse econômico fez com que o ocidente resolvesse acabar com a escravidão. Em primeiro lugar, eles devem explicar porque a escravidão durou tantos séculos então. É fato que a escravidão é ineficiente do ponto de vista econômico, pois o capitalismo mostrou como trabalhadores livres e motivados podem ser bem mais produtivos. Mas seria curioso entender porque somente no século XIX essa lógica prevaleceu, especificamente no ocidente. Na verdade, foram as idéias liberais que enterraram de vez a escravidão. Idéias de pensadores como John Locke, abraçadas pelos “pais fundadores” dos Estados Unidos, que defenderam a liberdade individual como um direito natural, acima de qualquer lei escrita. Os principais abolicionistas baseavam sua causa em princípios morais, retomando a idéia da lei natural advogada por Thomas Jefferson na Declaração, que era usada diretamente para defender seus argumentos.

O famoso caso Amistad de 1839 foi o primeiro no qual se apelou para a Declaração, e o ex-presidente americano John Quincy Adams fez uma defesa eloqüente dos africanos presos. Seu longo discurso diante da Suprema Corte contou com o seguinte argumento: “No momento em que se chega à Declaração de Independência e ao fato de que todo homem tem direito à vida e à liberdade, um direito inalienável, este caso está decidido”. Abraham Lincoln foi outro que apelou constantemente à Declaração para defender a causa abolicionista. O texto foi uma vez mais invocado por outro grande defensor da igualdade perante a lei, Martin Luther King Jr. Seu mais famoso discurso, sobre seu sonho de viver numa nação livre, faz alusão direta ao trecho da Declaração onde todos os homens são criados iguais, uma verdade evidente por si mesma. Outro abolicionista conhecido, David Walker, escreveu em 1823 um texto usando os trechos da Declaração, e questionando se os americanos compreendiam o que estava sendo dito ali. Enfim, os maiores defensores da abolição beberam diretamente da fonte liberal presente na Declaração de Independência.

No Brasil, o combate à escravidão contou com um forte aliado na figura de José Bonifácio, o Patriarca da Independência. Seus argumentos, em discurso pronunciado na Assembléia-Geral em 1824, eram claramente influenciados pela visão liberal. Bonifácio chegou a apelar para o argumento econômico também, explicando que os agricultores não deveriam temer o fim da escravidão, que seria inclusive benéfico para seus negócios. Ele questiona: “Mas como poderá haver uma Constituição liberal e duradoura em um país continuamente habitado por uma multidão imensa de escravos brutais e inimigos?” Mas o pilar de seu discurso era moral. Contra os defensores da escravidão com base no direito de propriedade, eis o que Bonifácio argumentou: “Não é, pois, o direito de propriedade, que querem defender, é o direito da força, pois que o homem, não podendo ser coisa, não pode ser objeto de propriedade”. E acrescentou ainda: “Não basta responder que os compramos com o nosso dinheiro; como se o dinheiro pudesse comprar homens! – como se a escravidão perpétua não fosse um crime contra o direito natural”. Em resumo, a escravidão é injusta, pois ignora que todos os homens merecem tratamento igual perante as leis, e que nascem livres.

Muitos dos que alimentam a visão estritamente racista da escravidão são os mesmos que costumam condenar o liberalismo. No fundo, gostam sempre de atacar a cultura ocidental, pintando um quadro extremamente negativo do homem branco, particularmente o anglo-saxão. São curiosamente adeptos de uma esquerda que tantas vezes enalteceu o socialismo, mesmo que seu resultado tenha sido justamente o retorno da escravidão. Talvez por um estranho sentimento de culpa, essa elite branca seja a voz mais estridente na demanda por reparação, exigindo medidas racistas, como as cotas. Não obstante o fato de que nem mesmo um pai transfere dívida líquida para seu filho, querem jogar nos ombros de inúmeros brancos inocentes um pesado fardo para carregar. Falar sobre a escravidão na própria África não agrada esta agenda “politicamente correta”, e por isso nunca se lê sobre ela na grande mídia. Negros com escravos negros? E quem vai reparar quem? Esses defensores de cotas deveriam pensar bem antes de falar em compensação com base na história. Um estudo mais cauteloso mostraria que esta visão coletivista faria com que praticamente todos devessem alguma compensação a todo mundo.

A escravidão não depende do racismo. A escravidão, que foi a regra durante quase toda a história da humanidade, deve ser combatida com base nos princípios liberais de igualdade perante as leis, pois todos nascem livres e desfrutam dessa liberdade como um direito natural. É justamente essa igualdade que os defensores das cotas tentam derrubar. Em nome do combate ao racismo, uma parte da esquerda resolveu pregar o retorno da escravidão. Devemos usar, uma vez mais, os argumentos presentes na Declaração de Independência americana contra esses movimentos, para preservar a nossa liberdade. 


Por Rodrigo Constantino

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